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Comer saudável virou um ato político?

A presença crescente de alimentos ultraprocessados na dieta brasileira e seus impactos



Nos últimos anos, o consumo de alimentos ultraprocessados aumentou significativamente no Brasil. Entre 2017 e 2018, esses produtos já representavam 20% das calorias diárias totais da população, um padrão de consumo mais comum em áreas urbanas, especialmente entre mulheres e adolescentes do Sul e Sudeste do país. A rotina acelerada dos centros urbanos torna os alimentos ultraprocessados uma opção atraente, especialmente devido à sua conveniência e fácil manuseio.


Com a globalização e o avanço das redes sociais, esses produtos ganham ainda mais visibilidade por meio de anúncios e conteúdos patrocinados. O problema é que, além do vício, esses produtos geram desigualdade.



Colonialismo alimentar 


Em relatório publicado em abril pela Public Eyes, Karen Hofman, pediatra e professora de saúde pública na Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo, afirma que a multinacional Nestlé pratica colonialismo alimentar em vários dos seus principais mercados do Sul Global, na África, Ásia e América Latina. Produtos das linhas "Ninho" e "Mucilon", destinados a crianças de até três anos, apresentam até seis vezes mais açúcar adicionado do que os vendidos em mercados europeus. Esses ingredientes, conforme apontado pela Organização Mundial da Saúde, estão diretamente ligados à obesidade infantil e a doenças crônicas.


Essa estratégia de venda, além de prejudicar a saúde, concentra riqueza nas mãos de poucos e afeta o desenvolvimento sustentável das regiões onde esses produtos são amplamente consumidos. 


Em 2023, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) apontaram que o aumento no consumo de ultraprocessados no Brasil se deve à redução de preços e à expansão industrial em áreas periféricas e rurais. Fenômeno esse que facilita o acesso a grupos socialmente vulneráveis, enquanto o consumo entre grupos mais privilegiados começa a se estabilizar, tendendo a diminuir.


Esse cenário demonstra que a conscientização sobre a importância de uma alimentação saudável chega primeiro às camadas mais altas da sociedade. Como resultado, a população de baixa renda continua a consumir esses alimentos devido à sua disponibilidade e preço reduzido.



Novas políticas e o papel do FUA


Sim. Essa é a resposta para o título deste texto. Comer saudável não valoriza apenas a origem do alimento, mas também sua distribuição. 


Em resposta a essa realidade, o governo brasileiro lançou o Plano Nacional de Abastecimento Alimentar (Alimento no Prato), uma política pública que visa promover a soberania alimentar e combater os "desertos alimentares" – áreas onde o acesso a alimentos frescos e in natura é limitado – e os "pântanos alimentares", onde prevalece a oferta de ultraprocessados. O plano conta com ações focadas em incentivar a agricultura urbana e periurbana, valorizando a nível nacional a importante atuação dos pequenos agricultores na provisão de alimento para todas as camadas da população.

 

O FUA – Fundo Agroecológico tem atuado para apoiar a agricultura familiar no extremo sul de São Paulo, através de projetos de acesso à políticas públicas e articulações que incentivam o conhecimento tradicional e comunitário.


Promovendo o acesso e permanência na terra, conectamos agricultores e consumidores interessados em uma alimentação saudável e justa. Por meio do nosso Grupo de Consumo, garantimos que os alimentos cultivados de forma sazonal e sustentável pelos agricultores da nossa rede cheguem a quem deseja uma alternativa aos ultraprocessados, mensalmente ou trimestralmente. Uma oportunidade de comer bem, gerando renda e conservando o meio ambiente. Além de, claro, incentivar a retomada da cultura alimentar brasileira no seu dia a dia, aquela baseada nas culturas originárias do nosso povo. 


“Promover a alimentação saudável envolve mais que a escolha de alimentos adequados, relacionando-se com a defesa da biodiversidade de espécies, o reconhecimento da herança cultural e o valor histórico do alimento, além do estímulo à cozinha típica regional, contribuindo, assim, para o resgate das tradições e o prazer da alimentação.” (BRASIL, 2002, pg 14)



Referências


BASTOS, Mariana Nunes Pereira. Fome e colonialidade alimentar no Brasil. Mosaico, v. 14, n. 22, p. 341-354, 2022.


BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Coordenação

Geral da Política de Alimentação e Nutrição. Alimentos regionais brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde; 2002.


Chega ao Brasil best-seller global sobre ultraprocessados. Disponível em: <https://ojoioeotrigo.com.br/2024/10/chega-ao-brasil-best-seller-global-sobre-ultraprocessados/>. Acesso em: 28 out. 2024.


GABERELL, L.; PATTI RUNDALL, M. A. Como a Nestlé está viciando crianças em açúcar em países de baixo rendimento. Disponível em: <https://www.publiceye.ch/fileadmin/doc/Konsum/PublicEye_Magazin_47_Nestle_PO_06_compressed.pdf>. Acesso em: 28 out. 2024.


LOUZADA, Maria Laura da Costa et al. Consumo de alimentos ultraprocessados no Brasil: distribuição e evolução temporal 2008–2018. Revista de Saúde Pública, v. 57, p. 12, 2023.


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